Quem é a psicóloga brasileira e como e onde trabalha? Essa pergunta nos acompanha nestes 50 anos de profissão regulamentada. Recentemente, o Conselho Federal de Psicologia realizou uma importante pesquisa (http://site.cfp.org.br/publicacao/quem-e-a-psicologa-brasileira/) que evidenciou que a psicólogo brasileiro é, na verdade, uma psicóloga. As mulheres representam cerca de 90% da nossa categoria. Continuamos majoritariamente trabalhando na clínica e 39% são profissionais liberais, trabalham no próprio consultório. Temos mais de um vínculo profissional: atendemos no consultório e trabalhamos numa empresa de consultoria; trabalhamos no SUS e somos professores e outras combinações. Os profissionais mais jovens ou formados há menos tempo são os que sofrem mais com essa realidade.
Mas muitas coisas foram se modificando nessas cinco décadas de regulamentação da Psicologia. Se até os anos 80 éramos basicamente profissionais de consultório e de RH, nos anos 80 começam a acorrer mudanças. Mudanças que são do próprio país que se redemocratizou com eleições para governadores em 82 e presidente em 89 e que em 88 promulga uma Constituição que consagra amplamente direitos sociais. Mudanças conquistadas nas ruas, não nos esqueçamos, em que a luta popular por saúde pública foi um ator de grande importância.
Para nós, o impacto inicial dessas mudanças se deu principalmente pela nossa inserção em diversas políticas públicas, das quais o SUS é o principal, não único, exemplo. Isso tem incidência em duas características da nossa profissão. A primeira é que passamos a engrossar as fileiras dos servidores públicos, gerando com isso uma nova perspectiva de estar no mundo do trabalho. A outra é que passamos a atender outras populações, diferentes da que estávamos acostumados nos consultórios e RH. Contraditoriamente, os primeiros anos de vigência da nova constituição e criação do SUS é o período de ascensão do neoliberalismo, de crise econômica de forte tendência a novas formas de precarização do trabalho, no âmbito privado e também no funcionalismo público.
As mudanças seguiram e foram se aprofundando nas últimas décadas. Primeiro por vivermos um novo período de retomada da ideia de um estado mais distributivo e social, em que são ampliadas algumas políticas públicas e outras são criadas. Exemplos contundentes são: a Rede de Atenção Psicossocial, a partir da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) e o SUAS, implantado em 2005 e consolidado em 2011. Mas houve uma multiplicidade de inserções em campos como o judiciário, o sistema de garantia aos direitos da criança e do adolescente e a rede dele resultante, e outras áreas. Tudo isso aponta um caminho em que há maior presença de profissionais no mundo do trabalho e maior reconhecimento social da profissão e a 2ª Mostra Nacional de Práticas em Psicologia (2012) foi um momento em que tudo isso pode ser apresentado. Claro que a Psicologia e suas entidades não foram e nem são passivas nessas mudanças e se mobilizaram, propuseram, discordaram, pressionaram.
Como o CRPSP e o Sistema Conselhos de Psicologia deve lidar com essa realidade? Primeiramente reconhecendo que há muito há fazer nesse campo. Isso considerando a superação da precariedade ainda existente no nosso mercado de trabalho, que revela ainda as condições mais amplas de trabalho, também precárias, da classe trabalhadora e, por outro lado, considerando o papel de uma entidade reguladora da profissão.
Alguns pontos importantes estão pautados pelo movimento sindical e devem ser motivo de discussão e apoio por parte do sistema Conselhos de Psicologia. É o caso do projeto das 30 horas que avança no Congresso e tem contado com apoio do Sistema Conselhos, seguindo decisões do CNP. Mas há outras lutas, como a questão da remuneração justa no âmbito das carreiras públicas, combate e denúncia aos concursos públicos aviltantes e a tabela de honorários, que já é uma elaboração conjunta entre o CFP e FENAPSI.
A aproximação do tema condições para o exercício profissional deve ser, por parte de um Conselho Profissional, a partir da clara incidência dessas condições na qualidade do serviço a ser prestado às populações, reconhecendo que condições estruturalmente inadequadas dificultam, quando não impedem, o exercício ético da profissão. Sempre existe o risco de nos confundir com a ação sindical e precisamos ter claro que a defesa das condições de trabalho é uma ação sindical e precisa ganhar força como tal. Mas aqui é vital o trabalho em consonância e politicamente orientado para estas duas vertentes. Queremos mais trabalho, mais campo de atuação e mais qualidade da atenção aos nossos usuários. Formação de qualidade, profissional de qualidade, atenção de qualidade é realizada com condições adequadas de trabalho e boa remuneração. É nessa medida que o tema das condições de trabalho diz respeito aos Conselhos Profissionais. Esse é o desafio que queremos enfrentar e o faremos junto com as entidades sindicais, profissionais e científicas da nossa categoria.
Neste contexto, é fundamental não perder de vista a discussão do papel do Estado e o avanço das políticas públicas, uma agenda por desenvolvimento, em contraposição à agenda neoliberal, por garantia de serviços públicos e mais democracia e participação como forma de garantir nossa presença, apostando na relevância de nossa atuação. Com uma pauta mais ampla, estamos sinalizando que quando pensamos o nosso compromisso com a construção do bem comum, estamos considerando a necessidade de cuidar também das questões do mundo do trabalho, para as(os) psicólogas(os) e para todos os trabalhadores brasileiros.
Tanto a pressão do mercado de trabalho quanto a pressão da categoria, através de suas entidades e, destacadamente, através dos Conselhos de Psicologia, vem garantindo um aumento expressivo de psicólogos trabalhando na saúde pública (SUS) atendendo nas UBS, nas UPAS, nos CAPS, trabalhando no matriciamento da saúde da família (NASF), mas também trabalhando na Assistência Social, nos CRAS, assim como na área da educação. Essa política (ação do CREPOP) deve ser aprofundada no CRPSP. São Paulo reúne o maior contingente de psicólogas e psicólogos de todo o país e aqui estão muitos problemas relativos ao mercado de trabalho, o que também representa um laboratório para a categoria.
Outra perspectiva importante é aquela dada pela possibilidade de cobertura da assistência aos serviços psicológicos por planos de saúde. Isso deve orientar nossa atuação junto à ANS, conforme diretrizes e compromissos firmados em nosso texto sobre o tema (http://www.cuidarsp.org/#!sade-suplementar/c17ju). É preciso cuidar para que os usuários desse sistema suplementar tenham acesso aos serviços de saúde mental, ampliando número de consultas psicoterápicas por psicólogos, mas também ampliando a cobertura de procedimentos relativos à prática da Psicologia e ao atendimento em saúde mental.
Assim, é preciso lutar pela ampliação da Psicologia na sociedade e isso se faz com respostas às suas urgências, por meio de um trabalho qualificado. É preciso fazer isso entendendo que estamos ao lado de outros trabalhadores na luta por melhores condições, o que nos coloca, como Conselho, ao lado e em apoio às lutas sindicais. Se estamos nas políticas públicas, nos diz respeito a luta por condições dignas aos trabalhadores dessa política e o compromisso com seu avanço. Se estamos em campos multiprofissionais, queremos serviços dignos e precisamos fazer essa luta de modo a sermos reconhecidos também pelas outras categorias. Precisamos reconhecer os impactos das questões de gênero nas relações e condições de trabalho sobre nossa categoria e protagonizarmos também essa luta por igualdade. As tarefas são muitas e complexas.
A Psicologia deve CUIDAR disso!